A razão da(s) nossa(s) inteligência(s) e a hipótese do cérebro social
- Paulo Finuras
- 30 de abr. de 2019
- 3 min de leitura
De onde vem a nossa inteligência? Será da capacidade de raciocinar em abstrato? A resposta parece ser mais complexa do que parece. Por exemplo, imagine o seguinte problema:
“São-lhe apresentados 4 cartões. Cada cartão tem um número num dos lados e uma letra no outro. Indique apenas o cartão ou cartões que necessita de voltar para verificar se algum dos cartões viola a seguinte regra: se um cartão possui a letra D num dos lados, então deve ter um 3 no outro lado.”
Puzzle N.º 1

Fonte: Cosmides & Tooby/Cognitive Adaptations for Social Exchange
Não é fácil, pois não? Mas não se preocupe. Se o leitor é como a maioria das pessoas, fique a saber que mais de 75% dos indivíduos falham.
Contudo, e se o problema fosse agora assim apresentado:
“Você é um empregado num bar e tem que garantir o cumprimento da Lei que estipula que se alguém está a beber cerveja, então deve ter mais de 18 anos. Os 4 cartões apresentados representam cada um dos clientes no seu bar. Um dos lados, mostra o que a pessoa está a beber e o outro lado mostra a idade da pessoa. Escolha apenas os cartões que você tem a certeza que necessita de voltar para verificar se algum dos clientes está a violar a Lei e assim não poderá continuar no bar.”
Puzzle N.º 2

Fonte: Cosmides & Tooby/Cognitive Adaptations for Social Exchange
ste foi provavelmente mais fácil de resolver, não foi?
De facto, e neste caso, já cerca de 65% das pessoas conseguem acertar na resposta correta. No entanto, e se reparar bem, trata-se do mesmo problema que o anterior, apenas colocado de forma diferente, uma vez que os dois se baseiam na mesma lógica, isto é, se X então Z.
Já agora, a resposta ao primeiro puzzle é D e 5, e ao segundo é “cerveja” e o número 17.
O que se passa então aqui? Por que razão o segundo puzzle é bem mais fácil de resolver para a maioria das pessoas, do que o primeiro? Por que somos melhores a descobrir quando alguém viola uma regra do que a determinar se um cartão deve ter uma referência específica e abstrata do outro lado?
É que enquanto no primeiro puzzle está envolvido um problema de lógica formal, no segundo o que está em causa são regras sociais, e neste capítulo parece que nós somos muito melhores a descobrir quem viola as regras do que a resolver problemas de lógica formal. É isto que parece confirmar a chamada "hipótese do cérebro social".
A ideia base é que nós possuímos cérebros grandes porque os nossos antepassados tiveram que aprender a navegar na complexa dinâmica social das relações entre indivíduos quer dentro dos grupos quer entre grupos.
É provável assim que para os primeiros seres humanos os problemas mais complexos, implicassem conseguir descobrir as intenções dos outros no grupo e que a sua posição e prestígio social dependesse mesmo da sua capacidade de resolver problemas dentro ou entre grupos. Já a nossa capacidade para raciocinar sobre outros problemas ou dilemas (nomeadamente não sociais), parece ser um "efeito colateral" das nossas capacidades de raciocínio social. Já agora, um efeito bastante feliz para o nosso lado.
Portanto, e tal como alguns autores sugerem, provavelmente o chamado "QI" é essencialmente um subproduto da inteligência social e não tanto o seu contrário. E, de resto, isto faz sentido.
Se, por exemplo, o leitor não conseguir levantar um peso, a sua primeira ideia será a de pensar numa invenção de um qualquer mecanismo para o conseguir, ou simplesmente pede ajuda a alguém?
São estas questões que nos levam a concluir que o nosso cérebro é um computador orgânico forjado também pelas pressões das dinâmicas relacionais e sociais da vida em grupo e dos próprios grupos aos quais sempre pertencemos e dependemos e deles soubemos retirar vantagens evolutivas.
Não admira que ao pensarmos o cérebro de uma forma "modular" se perceba porque é que nem todos temos as mesmas capacidades, ainda que tenhamos os mesmos mecanismos de resolução de problemas adaptativos.
O facto de alguém possuir um modulo de inteligência abstrata de alto desempenho (vulgar QI), isso não garante que tenha outros módulos de resolução de problemas sociais e relacionais com a mesma capacidade ou nível de desempenho,
De resto isso é algo comum e serve de apoio à tese que propõe existirem várias inteligências.
O chamado QI é apenas uma delas. Designar o QI como inteligência geral, na verdade, está errado, porque não há uma "média" de inteligências nem uma "inteligência geral". Há módulos de inteligência para resolver problemas, todos eles de domínio específico.
A chamada "inteligência geral" apenas o é porque está generalizada na população que a foi herdadndo evolutivamente por meio de seleção natural e sexual.
De resto, vários indivíduos considerados muito “inteligentes” parecem ser, por vezes, bastante “burros” no relacionamento e nas interações sociais.
Já conheceu alguém assim?
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